Em meio a um surto inflacionário combinado a uma recessão de grandes proporções, o Brasil luta com uma agenda antiga e recorrente. A oportunidade de discutir uma pauta contemporânea, que se conecte com a competitividade e a inovação, parece mais distante e deslocada da realidade atual do país. Mas não é possível ignorar esses temas, que são decisivos para definir os países com chances de sobreviver na competitiva arena econômica global.
Poucos especialistas conhecem tanto o assunto como o brasileiro Roberto dos Reis Alvarez (foto), diretor executivo da Federação Global dos Conselhos de Competitividade (GFCC), uma entidade que congrega integrantes de 25 países e tem sede em Washington, nos Estados Unidos. Graduado em engenharia civil, com mestrado e doutorado na área, ele ocupou o cargo de gerente de Projetos e Análises Estratégicas da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), uma organização do governo brasileiro.
Na entrevista concedida ao blog de Beth Cataldo (G1), por e-mail, sua experiência se traduz em observações precisas e contundentes. O déficit em infraestrutura é uma das deficiências brasileiras mais evidentes quando se discute as condições de competitividade do país. Mas isso não é tudo. É preciso também, como ele argumenta, cuidar dos recursos humanos, da qualidade de vida e da educação, entre outras urgências do país.
Alvarez aponta avanços no Brasil, mas considera fundamental “superar a ideia de que a melhoria do ambiente macroeconômico é uma opção política por um caminho mais ou menos liberal”. Ele alerta também que “a competitividade não avança no vácuo” e depende de processos de diálogo na sociedade e de um sistema político funcional.
Os principais trechos de sua entrevista estão a seguir.
Quais os desafios para o incremento da competitividade nos países emergentes?
Os grandes desafios de competitividade dos emergentes estão associados à inovação, às instituições e à promoção da prosperidade. Não há como sustentar no longo prazo estratégias somente focadas em custos baixos. Atualmente, todos buscam desenvolver condições para competir em inovação. Ao mesmo tempo, precisam controlar as suas estruturas de custos. Há casos, como no Brasil, em que se enfrentam custos até mais altos, em alguns momentos, do que nas economias avançadas. Boas instituições são fundamentais para um ambiente favorável aos negócios e progresso social. A experiência internacional não deixa dúvida. Várias coisas devem andar em conjunto na agenda de competitividade. Na GFCC, trabalhamos com oito dimensões: desempenho econômico, sofisticação da economia, capital, infraestrutura, recursos humanos, inovação, qualidade de vida e crescimento futuro – esta última inclui sustentabilidade.
Você poderia citar casos de países que se destacam pelas melhores práticas nessa área?
Não existe “o melhor exemplo” a ser copiado, mas sim experiências a serem olhadas com atenção entre os emergentes – sem falar nas economias avançadas. A Estônia avançou muito na simplificação do seu sistema tributário e na digitalização dos serviços públicos. A Índia lançou uma estratégia de desenvolvimento industrial, a “Make in India”, que tem muita visibilidade global. É um país que tem grandes grupos empresariais internacionalizados de origem local, em áreas de manufatura complexa e tecnologia. A Arábia Saudita mantém atualmente 200 mil estudantes universitários no exterior e implantou uma universidade tecnológica, a Kaust, que em apenas cinco anos de existência já é líder em citações por pesquisador. A China faz investimentos massivos em competências tecnológicas e cria estruturas empresariais globais. Ambiciona se tornar um líder global em inovação. O Chile é líder em acordos comerciais. É o país que mais assinou acordos nas Américas: 26 ao todo, muito mais que os Estados Unidos. Os chilenos têm apostado na internacionalização. Todos esses casos dependem dos contextos nos quais ocorrem. É importante compreendê-los e aprender com eles. O exercício sistemático de benchmarking global é fundamental para a competitividade. Em geral, não fazemos isso no Brasil.
Quando se associa o aumento da competitividade à questão da infraestrutura, qual a sua visão sobre o caso brasileiro?
O Brasil tem um enorme déficit em infraestruturas. Isso afeta negativamente a competitividade brasileira. Ao todo, o país precisará investir entre R$ 500 bilhões e R$ 1 trilhão nos próximos 10 anos, dependendo do que se inclui na conta de “infraestrutura”. As condições atuais geram custos na economia como um todo e isso é particularmente prejudicial ao agronegócio e à mineração, que transportam grandes volumes de carga, com baixa densidade de valor agregado por tonelada de produto. O impacto da logística nas estruturas de custos desses setores é muito expressivo. Mas há uma grande oportunidade para investimentos em infraestrutura no Brasil, que também podem estimular a inovação nas áreas de energias limpas, eficiência energética, mobilidade, recursos hídricos, tratamento de resíduos, entre outras. Isso de forma integrada a novas soluções tecnológicas e modelos de negócios. Vale dizer que infraestrutura não é uma questão somente do Brasil. Até mesmo as economias avançadas, como os Estados Unidos e países da Europa, têm desafios importantes. A Sociedade Americana de Engenharia Civil estima que US$ 3,6 tri precisarão ser investidos nos EUA até 2020 para cobrir o déficit em infraestruturas. No mundo, estima-se que faltam US$ 1 trilhão por ano para projetos de infraestrutura. É um tema global e foi o assunto central da reunião da GFCC de 2015 (http://gis2015.thegfcc.org/).
O diagnóstico de que a economia brasileira enfrenta importantes obstáculos em função da precariedade de sua infraestrutura é bastante antigo. Por que as soluções não avançam?
Enfrentamos a crise da dívida da década de 1980, quando o setor público não tinha capacidade de investir, e passamos três décadas subinvestindo em infraestrutura. Mais recentemente, experimentamos um aumento acentuado da demanda nessa área. Esses efeitos combinados levaram a um estrangulamento. Apesar de ter crescido recentemente, o investimento em infraestrutura em relação ao PIB no Brasil é bem mais baixo que em outros países emergentes. Em 2007, era de 2,03% do PIB, enquanto nossos vizinhos Chile e Colômbia investiam cerca de 6%. Na Ásia, as taxas são ainda superiores, mesmo sem incluir a China na conta.
Em termos concretos, qual o caminho a seguir?
Somente o setor público não dará conta do investimento. É preciso abrir espaço para o setor privado, via Parcerias Público-Privadas, as PPP, e concessões. O governo fez progresso nessa direção, mas ainda estamos aquém do que poderíamos ter avançado. São necessários novos modelos de financiamento e uma nova arquitetura institucional para canalizar recursos privados para projetos. O mercado financeiro não está organizado para financiar infraestrutura como nas economias avançadas. É preciso avançar em mecanismos de garantias e mitigação de riscos, veículos de investimentos, mercados para dar liquidez a títulos de infraestrutura, por exemplo. As opções de investimento precisam ser qualificadas. Há um déficit de competências técnicas no setor público, especialmente nas esferas estadual e municipal, que deve ser enfrentado. Para atrair investidores, as regras precisam ser claras, efetivas e estáveis, e os processos para implantação de projetos, mais ágeis. Isso inclui desde os regimes de compras e contratação do setor público até os modelos de remuneração de concessões.
O que dizer do aspecto da sustentabilidade no Brasil? O caso das hidrelétricas, com seus transtornos ambientais e sociais, pode ser considerado um exemplo do nosso pouco cuidado nesse terreno?
Os indicadores são positivos quando comparamos o país internacionalmente em relação à sustentabilidade, especialmente em energia. A matriz energética brasileira é das mais limpas e as emissões de CO2 per capita situam-se entre um sétimo e um oitavo das americanas, por exemplo. O aproveitamento do potencial hidrelétrico foi e é muito importante, mas já utilizamos grande parte dele e é muito mais difícil a sociedade aceitar impactos que antes nem eram questionados. Essa realidade poderá ter um efeito positivo, impulsionando o investimento em outras fontes sustentáveis e eficiência energética. Isso não ocorrerá sem uma escolha explícita com relação ao modelo a seguir. Cada vez mais, sustentabilidade será um fator chave de sucesso para as empresas e os países. O acordo da Conferência do Clima, a COP21, que aconteceu recentemente em Paris, dará um enorme impulso às energias renováveis. É importante não perder esse bonde.
Corremos esse risco?
Os Estados Unidos irão dobrar a produtividade energética até 2030, investindo em eficiência energética e inovação. A China está investindo muito em renováveis e criando empresas nessa área. O mundo avança rápido. O Brasil não tem uma estratégia clara e não é líder tecnológico e de negócios em energias renováveis como poderia ser. Atenção ainda maior é necessária à gestão dos recursos hídricos, saneamento e resíduos sólidos. Talvez o grande desafio seja compreender que a sustentabilidade não é oposta ao desenvolvimento, pelo contrário. É uma alavanca para a competitividade e pode criar grandes oportunidades de investimento e negócios.
Até que ponto a evolução da competitividade econômica passa pela educação da população? Como o Brasil pode ser situado nesse contexto?
Competitividade e desenvolvimento dependem de educação – é uma das dimensões que acompanhamos no sistema de indicadores na GFCC. O Brasil tem avançado. Desde a década de 1990, praticamente universalizou o aceso à educação básica e expandiu a educação superior. Contudo, a qualidade é o grande desafio, particularmente nos níveis elementar e médio. As atividades, empresas e economias mais avançadas requerem mais profissionais em áreas tecnológicas, mão de obra qualificada, profissionais para funções da área de negócios. Se não dispomos desse pessoal, perdemos investimentos e oportunidades.
As condições macroeconômicas e políticas de um país são determinantes para que se torne mais competitivo na economia global?
Com certeza! As variáveis macroeconômicas definem as condições de funcionamento da economia. O sistema político conforma o funcionamento da sociedade e da própria economia. A ideia de que a economia existe de forma isolada da política é totalmente equivocada. Cuidar da economia não é só tratar da macroeconomia. Há uma agenda de reformas microeconômicas que deveria ser trabalhada no Brasil para criar e dar mais eficiência a diferentes mercados, como trabalho, capital, crédito e conhecimento. É fundamental superar a ideia de que a melhoria do ambiente microeconômico é uma opção política por um caminho mais ou menos liberal. A qualidade das instituições é central para o sucesso de um país. Isso diz respeito aos órgãos dos diferentes poderes, seus papéis e suas relações, e a todo o aparato jurídico que rege o funcionamento da sociedade. As instituições são o “sistema operacional” da sociedade. Pode parecer um tema distante da vida das pessoas, mas não é. Todo esse conjunto de regras e organizações define aquilo que chamamos de burocracia e afeta o ambiente de negócios.
O que é preciso fazer?
Os países mais competitivos têm instituições mais funcionais e ajustadas à economia do conhecimento. A tecnologia, as estruturas e estratégias de negócios e a economia estão mudando muito rapidamente, é preciso atualizar as instituições. No que se refere à inovação, é muito difícil, e até impossível, fazer no Brasil o que outros países fazem. Se não mudarmos isso, ficaremos para trás. É uma notícia boa que o projeto de lei complementar 77/2015, que incentiva o desenvolvimento científico e tecnológico, tenha sido aprovado no Congresso. O funcionamento do sistema político é essencial para que se aprimore o marco institucional. A competitividade não avança no vácuo, depende da existência de processos de diálogo na sociedade e de um sistema político funcional.
Fonte: Beth Cataldo (Blog Análise e Informação sobre economia e política – G1)