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batismo 2

Existem coisas que só quem viveu é que sabe exatamente o que passou, o que sentiu, etc. O tipo de coisa como as prisões e torturas vividas na época da ditadura militar, só quem viveu aquilo sabe o que teve que passar, as memórias que se tornaram pesadelos, as marcas que se tornaram um lembrete de tudo aquilo, nós só podemos imaginar, se é que queremos imaginar algo assim.

O período da ditadura militar no Brasil é algo doloroso e horrível de pensar, imaginar, mas é o tipo de coisa que precisamos lembrar que ocorreu para impedir que se repita, é preciso entender as verdades desse período para não se iludir com a frágil ideia de que o pior acontecia apenas com quem era ativamente contra. A ditadura militar não via bandidos e inocentes, tudo o que ela enxergava é alguém que supostamente vai de encontro, a estratégia do “atire primeiro pergunte depois” era mais do que comum na época. Mas nós, que não vivemos aquilo, só sabemos essas coisas através de registros e depoimentos, registros esses como o livro de Frei Betto, que foi levado para o cinema por Helvécio Ratton.

Batismo de Sangue nos conta um pouco da atividade de frades dominicanos que formaram em São Paulo, no final dos anos 60, um forte grupo de resistência à ditadura militar. Com base em ideais cristãos, os frades Tito, Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo se envolveram ativamente com grupos de resistência estudantil e com a ALN. A Ação Libertadora Nacional foi um grupo de guerrilheiros comandado por Marighella, um dos maiores nomes na luta contra a ditadura militar, os frades ajudavam principalmente encontrando locais seguros para os encontros e esconderijos, muitas pessoas atuavam na clandestinidade por questões de segurança pessoal e de familiares ou conhecidos que podiam sofrer as consequências por associação com a resistência.

Em determinado momento o grupo percebe que é melhor se dividir e dois deles vão para o Rio de Janeiro, infelizmente o telefone que eles utilizaram estava grampeado e assim que desceram do ônibus foram capturados por oficiais. Nas mãos do delegado Fleury, um dos torturadores mais citados da época por conta da crueldade e frieza estratégica, os frades Ivo e Fernando foram mantidos presos e torturados, ao ponto em que se viram obrigados a revelar informações sobre as reuniões do grupo e a localização de Marighella.

Frei Tito também é preso e Marighella acaba assassinado em uma operação comandando por Fleury e oficiais do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), Frei Betto que havia se refugiado no Rio Grande do Sul acaba sendo capturado e levado para ser confinado com os outros frades. Frei Tito é levado após um tempo, supostamente para o DOI CODI (Destacamento de Operações e Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), onde foi torturado física e psicologicamente de maneira extrema, chegando ao ponto de tentar suicídio, o depoimento que ele escreveu ao voltar se espalhou pelo mundo como um documento símbolo da luta pelos direitos humanos. Em 71 o grupo é então sentenciado a quatro anos de prisão em regime fechado, apenas Tito estava livre, pois estava em um grupo de 40 presos políticos que foi solto em troca do embaixador Holleben, sequestrado em uma ação conjunta entre a ALN e a VPR em 1970.

Infelizmente frei Tito, já em exilio na França, não conseguiu superar o efeito psicológico consequente da prisão e torturas realizada por Fleury e sua equipe. Ao que tudo indica e é passado no filme, frei Tito acabou se suicidando em 1974, seu corpo foi encontrado em uma árvore, suspenso por uma corda.

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A atuação de Caio Blat como o frei Tito e Cássio Gabus Mendes como delegado Fleury, foram impressionantes, o filme não representa todos os lados e informações da ditadura militar, mas mostra de forma objetiva a atividade dos frades e as consequências do período de prisão e tortura, mantendo o foco no livro de frei Betto, acredito que a produção é bastante eficaz ao que se propôs fazer.

Uma das cenas mais tocantes, em relação aos frades, é o momento em que eles realizam uma espécie de missa, ainda em cárcere. Com suco de uva em pó e biscoito Maria, substituindo o vinho e a hóstia, eles levam palavras de fé e esperança para os outros presos, frei Tito distribui “o corpo de Cristo” para os que aceitam. Algo interessante de notar nessa cena é a presença de um dos oficiais que, ao contrário dos colegas, demonstra respeito ao momento e considera a ideia de aceitar a hóstia oferecida por frei Tito, esse mesmo oficial, em uma cena anterior, demonstra certo cuidado, o que não era comum entre os oficiais, com uma prisioneira que traz no colo, provavelmente retornando de uma sessão de tortura com o delegado. É importante perceber que existiam oprimidos entre os opressores.

Umas das principais coisas para refletir é a escolha final de frei Tito, pensar em tudo que ele sofreu nas mãos do delegado Fleury e de sua equipe, horas no pau de arara, na cadeira do dragão, etc. O nível do trauma psicológico que lhe foi causado, as lembranças que o perseguia, tão terríveis que fizeram com que um frei, religioso, cristão, visse no suicídio sua única saída para aquele tormento, para tirar de sua mente a imagem do delegado o perseguindo e ameaçando, para acabar com todo aquela dor que estava sentindo.

Carol Santos

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