A revista britânica The Economist afirma, em edição publicada nesta sexta-feira, que o afastamento da presidente Dilma Rousseff foi um ‘jeitinho’ dado na Constituição.
“O impeachment de Dilma Rousseff, uma presidente impopular que não foi pessoalmente acusada de malfeitos sérios, é um ‘jeitinho’ na Constituição”, diz o texto, usando o termo em português.
“Muitos dos políticos que votaram pelo impeachment recorrem a esses jeitinhos de forma incansável, por exemplo com as leis de financiamento de campanha”, completa.
A presidente foi afastada pelo Congresso sob acusação de ter editado créditos suplementares sem autorização do Congresso e de ter usado recursos de bancos públicos – as chamadas “pedaladas fiscais”. Sua defesa alega que isso não constitui crime de responsabilidade.
Nesta semana, o ministro interino Romero Jucá (PMDB-RR) caiu após revelações de diálogos em que ele dizia que a mudança de governo era necessária para “estancar a sangria” da Lava Jato.
O texto da Economist fala sobre palavras que só existem em português, como saudade, cafuné e jeitinho – “uma forma de contornar algo, normalmente uma lei ou regra”.
Afirma que o jeitinho tem uma conotação de ingenuidade mas também de ilegalidade e que é uma marca da identidade nacional.
Cita como exemplo restaurantes que oferecem refeições a policiais que em troca patrulham suas ruas, empresas abertas com uso de “laranjas” para pagar menos impostos e pessoas que usam crianças ou idosos para evitar filas.
A publicação diz que, segundos alguns especialistas, os católicos, tentados a considerar a confissão como alternativa à obediência às leis, são mais suscetíveis ao uso do jeitinho. O artigo prossegue dizendo que sociedades mestiças como o Brasil tendem a ser mais flexíveis – tanto com a lei quanto com a etnicidade. E afirma que talvez a desigualdade tenha seu papel (a lógica seria: se os ricos e poderosos quebram a lei, por que as pessoas comuns não fariam isso?).
Mas conclui que o uso do ‘jeitinho’ pode estar ficando mais difícil, não apenas devido a investigações como a Lava Jato mas também pelo uso da tecnologia, como câmeras e radares para multar e sistemas como o E-Poupatempo (sistema online do governo de São Paulo).
A revista cita o antropólogo Roberto DaMatta para dizer que o Brasil pode estar caminhando para um sistema anglosaxão, onde as leis “são obedecidas ou não existem”.
“Se isso acontecer, a satisfação que muitos brasileiros vão sentir pode ser tingida com cores de saudades”, conclui a revista.